Desmatamento o Acre cresceu mais de 20% em 2021

POR NANY DAMASCENO
Celebra-se neste domingo (5), o Dia da Amazônia. Com um rico bioma, o maior patrimônio natural do planeta possui extensão de quase 7 milhões de quilômetros quadrado, dos quais cerca de 80% são florestas. A Amazônia corresponde a cerca de 7% da superfície total do planeta e possui aproximadamente 50% da biodiversidade mundial. Mas a cada ano essa riqueza fica mais e mais devastada: desequilíbrios ambientais e climáticos e a crise hídrica são algumas das graves ameaças.

No mês de julho de 2021, os estados da Amazônia que apresentaram as maiores áreas desmatadas foram: Pará com 485,9 km2, Amazonas com 400,54 km2 e Rondônia com 222,5 km2. O estado do Acre ocupou o 4º lugar em termos de alertas de desmatamentos emitidos, com registro de 152,2 km2, seguido de Mato Grosso com 116,87 km2 e do Maranhão com 21,38 km².

Segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), em 2017 o Acre apresentou uma queda de 332,8% em relação a 2016 e a partir de 2018 houve um constante aumento, 2021 está sendo o ano de maior área alterada com 24.118 ha, representando um aumento de 22% em relação ao ano de 2020. (O comparativo é feito com base nos meses de janeiro a julho de cada ano).

De 01 de janeiro a 30 de julho de 2021 foram emitidos 2.195 alertas para o Acre, representando uma extensão de 241,18 km2 de desmatamento acumulado. Esse valor representa um aumento de 22,1 % em relação ao mesmo período de 2020.

Para desvendar melhor o impacto do avanço do desflorestamento no Acre, a reportagem do ContilNet conversou com Wendeson Castro, coordenador de projeto e pesquisador da SOS Amazônia, uma associação fundada em 1988, em Rio Branco, que tem como objetivo principal defender a causa extrativista e proteger a Floresta Amazônica, apoiando as populações tradicionais.

Impacto que atinge o bolso

Para ele, o desmatamento na Amazônia, que em geral está associado com o fogo antrópico, possui impactos diretos e indiretos no nosso cotidiano. “O primário deles seria que estamos removendo a floresta e sua rica biodiversidade, que possui papel crucial em serviços ambientais e ecossistêmicos. Com essas atividades humanas, estamos cortando e queimando ativos florestais vitais para a saúde do ambiente e vitalidade bioeconômica com potencial elevado e de impacto significativo no PIB na escala estadual, no Acre, por exemplo”, explica.

O pesquisador diz que o desmatamento também é um fator responsável pelo aumento no preço do arroz, feijão e outros alimentos essenciais nas prateleiras dos supermercados e pelo atual valor da carne.

Um levantamento feito pelo FGV IBRE e publicado em agosto deste ano mostra que o preços do arroz e da carne, dois dos principais itens do prato diário do brasileiro, tiveram um aumento de mais de 30% nos últimos 12 meses. O arroz aumentou 37%, em julho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, o feijão preto avançou 18,46%. Já a carne bovina ficou 32% mais cara. O frango inteiro (com reajuste de 22,73%) também elevo0u os custos do prato feito com alta de 22,57% .

“UM IMPACTO DIRETO PODEMOS CONSTATAR PELO AUMENTO DO PREÇO DE ALIMENTOS COMO CARNE BOVINA E DE GRÃOS VIA PRODUÇÃO AGRÍCOLA, QUE DEPENDE VITALMENTE DO PAPEL DE FLORESTAS INTACTAS NA CICLAGEM DE ÁGUA, O PAPEL NO REGIME HIDROLÓGICO. OU SEJA, O DESMATAMENTO AFETA NOSSO BOLSO, A SEGURANÇA ALIMENTAR DE PESSOAS COM MAIOR VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL, CUJO EFEITO INDIRETO PODE REFLETIR EM PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS MAIS CRÍTICOS COMO TEMOS OBSERVADO – O MAIS NOTÓRIO EXEMPLO SÃO OS EXTREMOS CLIMÁTICOS POR TODA A ESFERA TERRESTRE”

Pecuária é principal motor do desmatamento

Criação de gado em Reserva Extrativista no Acre/Foto: Jorge William / Agência O Globo

O principal fator ou motor de desmatamento no Acre ainda continua sendo a pecuária extensiva, uma forma de produção agrícola arcaica que requer extensas áreas e opera com baixa produtividade.

Todavia, cabe destacar culturas agrícolas como soja no Baixo Acre, muito embora o desenvolvimento do Acre, seja mais produtivo e promissor com equidade social, se praticado e priorizado as cadeias de sociobiodiversidade, segundo Wendeson Castro.

“O ACRE É UMA POTENCIA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA, UM ESTADO AMAZÔNICO QUE DETÉM 80% DE RESERVA LEGAL, E ISSO REPRESENTA UM PRIVILÉGIO”.

Amazônia já emite mais CO2 do que absorve

Um recente estudo publicado na revista ‘Nature’ mostrou que algumas áreas da Floresta Amazônica já emitem mais dióxido de carbono do que absorvem. Um dado preocupante e uma ação que precisa ser freada urgentemente enquanto pode ser revertida.

Em 2015, a Organização das Nações Unidas lançou um documento com ’17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)’,  que precisam ser atingidos em 2030 como forma de tirar a Terra da rota do cataclismo.

Segundo Wendeson, os caminhos para isso já estão claros e definidos: “Temos que estancar o desmatamento e a ameaça aos povos tradicionais e nativos. Alcançar desmatamento bruto zero é uma questão de sobrevivência e desenvolvimento, em paralelo temos que, de fato, avançar no fornecimento, promoção e ações sustentáveis de biodiversidade, nessa ação adjunta, sociedade. De forma mais especifica, para reduzir as taxas de focos de calor associado com desmatamento (Fig. 1-4), além de priorizar as ações no âmbito do Fundo Amazônia, as ações de controle e combate de atividades de focos de calor e desmatamento ilegal são prioridades imperativas de desenvolvimento. Por urgência, é preciso restituir a segurança de servidores e povos nativos, os instrumentos e ferramentas de servidores de autarquias como o IBAMA e a FUNAI, que foram e estão sendo pressionados sob o ambiente hostil e violento, o qual foi e permanece com promoção e estímulo gerando danos pelo atual governo federal”, salienta.

Para o pesquisador, o Estado e União, ainda são falhos nas políticas ambientais, em especial, por não fornecerem aos produtores e extrativistas outras alternativas sustentáveis ao invés de fogo e pecuária extensiva.

“Observamos que muito ainda precisamos avançar com a legislação ambiental no país, embora nossa legislação seja uma das mais avançadas do planeta – ela serve inclusive como referência para países desenvolvidos. Na realidade, o que se precisa é cumprir a lei, como ela é estabelecida, de fato. Na dinâmica de governos, a exemplo de governabilidade anormal desde 2019, algumas medidas acabam sendo pouco priorizadas e até negligenciadas. Ou seja, na escala federal temos usado menos de ⅔ do recurso que é destinado para coibir e minimizar o impacto desse fogo e desmatamento fora de controle sobre governos extremos e anormais como estamos experienciando nos últimos três anos. Na escala estadual, considera-se injustificável a falta de fiscais e pessoas agindo na educação ambiental e promovendo soluções de sociobiodiversidade nas áreas rurais, em especial, no entorno e dentro de Unidades e Conservação, se temos suporte financeiro direto entrando nos cofres públicos, os quais são oriundos de países desenvolvidos da União Europeia para alcançar desmatamento bruto zero”.

Foto: Divulgação/Polícia Civil

Em 2018, o então secretário de Meio Ambiente do Acre, Edgard de Deus, disse que havia um plano de zerar o desmatamento ilegal do Acre até 2020, como pudemos ver nos dados acima, o estado percorreu um caminho contrário.

O SOS Amazônia deu um recado aos acreanos neste 5 de setembro, uma data em que deveria ser para comemorar as importantes conquistas, mas ainda não é possível diante de tantos entraves para a preservação da Amazônia: “Nós construímos o nosso futuro a cada instante, como o nosso presente é a própria contemplação da vida em toda sua exuberância, mistério e magnitude, nós somos agraciados. Assim como o rio Nilo é uma dádiva e sempre foi para civilizações egípcias, a Amazônia é o nosso presente, nós somos Amazônia na nossa casa comum, a Terra”.